Desde a integração de Portugal na União Europeia, a globalização e a rápida evolução tecnológica nas últimas décadas levaram a que os vários mercados e sectores atingissem elevados níveis de competitividade. A indústria agroalimentar não é uma exceção, hoje, como nunca, ganha-se ao segundo, ao cêntimo e à grama. A maturidade do sector e do mercado implicou uma redução substancial das margens de lucro associadas à produção e comercialização de produtos agroalimentares.
Para a manutenção sustentável do negócio tornou-se imperativo considerar os emergentes padrões de controlo da produção e qualidade aliados à vertente tecnológica. Para uma gestão eficaz é indispensável a utilização de sistemas de informação/tecnologias de informação que permitam uma maior rapidez na tomada de decisões e consequentes ganhos em competitividade. Os sistemas de informação/tecnologias de informação são atualmente considerados um dos mais importantes fatores de mudança dentro do sector alimentar, representando uma vantagem competitiva de elevado nível.
Antes de mais, é importante considerar a definição de sistema de informação, que, segundo Davis e Olson, podemos considerar como “um sistema integrado homem-máquina que disponibiliza informação para suporte de funções operacionais, gestão, análise e decisão dentro de uma organização”.
Os gestores têm duas alternativas ao seu modelo de negócio, a abordagem pelo preço e a abordagem pela diferenciação. Partindo do princípio que grande parte dos produtos alimentares são considerados commodities (produtos-base, mercadorias primárias, que possuem cotação e “negociabilidade” globais) e que a diferenciação é um processo de alto custo, muitas vezes abstrato e para um mercado mais limitado, assumimos que o preço tem atualmente uma relevância extrema na atracão do mercado agroalimentar.
A alternativa preço implica elevados níveis de eficiência, o que leva a considerar duas grandes componentes: máquinas e sistemas de informação. A utilização de sistemas de informação pressupõe um controlo sistemático e consistente de todas as atividades envolvidas na produção alimentar. Os sistemas informáticos, ou de tecnologias de informação e comunicação (TIC), tornaram-se indispensáveis na garantia de uma boa gestão e organização dos múltiplos e complexos dados envolvidos em qualquer negócio alimentar.
Neste âmbito, um sistema de informação de gestão empresarial inteligível deverá compreender conceitos como:
- Integração automática de dados e de máquinas;
- Adaptabilidade do sistema às diferentes realidades industriais subsistemas;
- Informação em tempo real, onde os dados são disponibilizados imediatamente permitindo uma rápida consulta e tomada de decisão;
- Fiabilidade, que um sistema nuclear na gestão industrial tem que garantir;
- Rápida implementação, que é necessária para tornar os custos e o tempo associado em valores razoáveis.
Para além da compreensão de conceitos de gestão é importante que o sistema de informação se revele transparente e flexível. O objetivo é considerar cada cliente como único, adaptando-se às suas necessidades particulares e não obrigando as empresas a submeterem-se a uma reestruturação incomportável a vários níveis. O sistema deve refletir, de uma forma exata e clara, o modo como se processa a atividade agroindustrial, associando evidentemente as boas-práticas de processos transversais do sector.
A incorporação de TIC ao nível do sector alimentar é um fator incontornável e fará parte da consolidação do processo evolutivo nos vários e variados processos de gestão dentro da indústria agroalimentar.
Vários exemplos de TIC na Indústria Agroalimentar
Os sistemas de informação e as várias ferramentas informáticas disponíveis podem ser analisados com base na sua aplicação ao nível do design do produto, do design do processo, da produção e da distribuição.
Design do Produto
Ao nível do design do produto destaca-se a EuroFIR (European Food Information Resource Network), que consiste numa rede europeia de recursos de informação sobre alimentos. A EuroFIR é uma associação entre 47 universidades, institutos de investigação e PME de 25 países, que pretende desenvolver e integrar uma base de dados exaustiva e validada de dados oficiais sobre a composição de alimentos na Europa.
A este nível temos também a BESTMIX® Food, uma ferramenta de software de gestão de fórmulas de produtos alimentares, abrangendo a conceção de um novo produto, bem como a determinação das suas especificações.
Design de Processo
No que toca ao design do processo, existem também ferramentas que consideram a segurança alimentar inerente ao produto final. Destaca-se a aplicação ComBase, um software gratuito via web, que permite prever a resposta/crescimento de um microrganismo de acordo com determinadas características do alimento, tais como, temperatura, pH e atividade da água. Através da seleção destes critérios o utilizador consegue determinar qual a evolução do cenário microbiológico do alimento. Outra aplicação informática de apoio ao desenho do processo de fabrico de alimentos, com base na microbiologia preditiva, é a BugDeath. Esta aplicação utiliza modelos matemáticos de projeção e análise da morte de microrganismos à superfície do alimento durante o processo de pasteurização. A utilização destes sistemas conduz a uma melhoria significativa na segurança alimentar associada ao alimento devido ao design mais eficaz e eficiente dos processos de pasteurização.
Produção
Ao nível da produção distingue-se o Food System Management – Industry (FSM-I). Trata-se de um sistema de informação de suporte à gestão da produção, qualidade, HACCP, rastreabilidade, stocks, picking e distribuição. Na prática o sistema FSM-I suporta todo o fluxo de matérias, desde a receção de matérias-primas até à distribuição dos produtos alimentares. O desenvolvimento do FSM-I baseou-se na análise das necessidades de informação e respetiva gestão ao nível da planta industrial das empresas agroalimentares. A estrutura do sistema permite a recolha de dados na fonte que, por si só, traduz um elevado rigor na sua utilização. Esta informação é facilmente disponibilizada, permitindo um rápido acesso e um mais profundo envolvimento e rendimento da equipa de trabalho. A aplicação FSM-I consiste num sistema integrado de software e hardware, que permite gerir toda a informação referente à gestão do controlo de produção/qualidade alimentar e cumprir com os referenciais adotados pela Comunidade Europeia, nomeadamente o HACCP e o Reg. (CE) n.º 178 – Rastreabilidade, bem como a ISO 22000. Esta aplicação é composta por dois componentes principais: o FrontOffice, no qual a aplicação é suportada por computadores periféricos, responsáveis pela manipulação e gestão dos dados ao nível da área de produção; e o BackOffice, que permite ao software de gestão FSM-I aplicar parâmetros, monitorizar e controlar o desempenho produtivo e qualitativo da empresa, contribuindo de forma decisiva com informações vitais para o processo de gestão global.
A base estrutural deste sistema consiste na utilização de computadores periféricos fixos ou móveis (PDAs e Touchscreens) ao longo da cadeia de produção. Estes computadores monitorizam e comunicam com conjuntos de máquinas, dispositivos e sensores, o que resulta na capacidade de integrar a recolha de dados (como a pesagem); a emissão móvel de dados (como a etiquetagem); o controlo e monitorização dos PCC – pontos críticos de controlo (como a temperatura); o scanning de códigos de barras associados na identificação de matérias-primas, matérias subsidiárias, produtos em curso, entre outros; e medições várias associadas às atividades produtivas. É também possível monitorizar pontos críticos da qualidade (PCQ), assim como determinadas características do produto (ex. dimensão, cor, etc.). A estrutura modular do FSM-I possibilita uma rápida e eficaz implementação da solução, que visa sempre “apoiar” e “suportar” os requisitos específicos de cada instalação industrial. Representando um conceito de sistema integrado na gestão da produção alimentar, o FSM-I permite um retorno de investimento significativamente mais rápido, face a uma permanente monitorização de todas as atividades produtivas da empresa, o que proporciona uma gestão otimizada de recursos com uma contínua redução de custos.
Ao nível da produção destaca-se ainda uma outra aplicação que visa o suporte da validação do sistema da qualidade associado à produção agroalimentar, o Food System Management Audit (FSM-A). O FSM-A é um software de suporte às atividades de inspeção e auditoria a sistemas de segurança alimentar (conformidade legal; boas práticas; instalações; pré-requisitos; HACCP; ISO 22000; ISO 9001…). A aplicação permite gerir o planeamento das ações de fiscalização e auditoria dos inspetores/consultores nas várias estruturas agroalimentares. Apresenta a funcionalidade de definir check-lists de inspeção/auditoria específicas para cada unidade agroindustrial, permite a recolha de dados associados ao evento auditoria/inspeção via PDA, possibilitando posteriormente a emissão automática do relatório de auditoria/inspeção, com os decretos-lei visados, sugestões de melhoria referidas e associadas automaticamente. Após a emissão do relatório, suporta ainda a gestão do tratamento das não-conformidades detetadas via web.
O FSM-Audit é constituído por duas componentes: o Front-Office, que permite aos auditores, através de PDAs, recolher os dados de uma auditoria/inspeção específica no espaço do cliente, segundo uma check-list de avaliação pré-definida; e o Back-Office, que permite, através de um servidor central, a recolha e agregação de toda a informação gerada num determinado cliente/estrutura, possibilitando posteriormente a execução de relatórios específicos sobre o desempenho da unidade em segurança alimentar. O Back-Office permite ainda gerar relatórios de acordo com os dados recolhidos na unidade, integrar dados anteriores da mesma unidade e produzir vários tipos de relatórios, permitindo paralelamente gerir o processo de tratamento de não-conformidades e suportar funções de monitorização e estatística.
Distribuição
Como ferramenta de apoio à distribuição distingue-se o Surface-T enquanto exemplo de uma ferramenta informática, que clarifica a monitorização térmica de produtos alimentares termo-sensíveis durante a sua distribuição. Esta tecnologia deu origem à patente nacional PT 103 649 “Dispositivo para monitorização e registo da temperatura no transporte e armazenamento de produtos sensíveis à temperatura e respetivo método”. A característica inovadora do dispositivo é o facto de projetar a curva de variação térmica do produto com base na temperatura inicial do alimento e na variação da temperatura da câmara, evitando o contacto direto com o produto. Aplicando a teoria dos sistemas térmicos, podemos estudar o seu comportamento térmico e assim torna-se possível calcular a temperatura à superfície dos alimentos ao longo do tempo, t, sabendo a sua constante térmica (δ), a temperatura inicial (Ti) e a temperatura da câmara (Tc). A aplicação materializou-se num dispositivo que permite um maior rigor e menor conflito entre distribuidores e destinatários dos produtos alimentares.
Uma necessidade atual e futura
O desenvolvimento de sistemas de informação no sector agroalimentar é um desafio único. De facto, as tecnologias de informação e as ferramentas de gestão, simulação e design permitem apoiar esta tarefa. A sociedade está cada vez mais consciente e confiante nos sistemas de informação e estes representam cada vez mais uma componente crucial do local de trabalho. A indústria agroalimentar representa um mercado potencial para novos produtos tecnológicos, no entanto estes devem incluir benefícios claros para o utilizador.
A importância das tecnologias de informação e comunicação não é discutível. A questão não é se as TIC vão ter um impacte significativo na competitividade da empresa. A verdadeira questão é como e quando se vai sentir o impacte. As empresas que anteciparem a assimilação do poder associado à gestão da informação via TIC mais cedo assumirão o verdadeiro controlo dos seus eventos. As empresas que não adotem a incorporação de TIC serão obrigadas a aceitar as alterações de negócio iniciadas por outros, colocando-se numa posição competitiva inferior.
Para concluir destaca-se, segundo Michael E. Porter, a avaliação em cinco fases, que deve ser executada pelo gestor, da vantagem competitiva associada à incorporação de tecnologias de informação e comunicação:
- Avaliar a necessidade de informação: Perceber se as necessidades de informação são mais relevantes ao nível da cadeia de valor (ex: produtos com grandes ciclos produtivos, grande volume de informação entre players da cadeia de valor) ou ao nível do produto (ex: produção de produtos com necessidades de processamento de informação substanciais).
- Perceber qual o papel da tecnologia de informação na orgânica da empresa: Os gestores devem prever o impacte gerado pela TIC na orgânica da empresa.
- Identificar e classificar como as TIC podem gerar vantagens competitivas: Necessidade de perceberem como as TIC são capazes de detetar quais as atividades de valor, com maior capacidade de interferência no preço e diferenciação.
- Investigar como as TIC podem potenciar novos negócios: Os gestores devem avaliar como as TIC potenciam a diversificação do negócio.
- Conceber um plano para potenciar as vantagens das TIC: Os quatro passos devem originar um plano de ação que formalize a capitalização da “revolução informativa”.
Publicação escrita por Miguel Fernandes,
Fundador da Flow Technology